sexta-feira, 16 de maio de 2014

Ricardo não, simplesmente Cacau....

Por Luciana Oliveira.

Este é o perfil de Ricardo César, no qual tive o prazer de escrever, contando um pouco de sua encorajada história, aliás, mostrando que com serenidade, aprendemos a brincar de viver....

“Chamar a atenção das pessoas é algo que fortalece meu apelido...”. Típico paulistano popular, bem humorado e boêmio seria o básico de Ricardo César Floriano, mais conhecido por seu apelido adotado desde a infância por uma de suas tias como “Cacau”.
Negro, alto e robusto trás no semblante olhos pequenos e profundos, junto a um leve sorriso formando pequenas indicações na face de seus trinta e quatro anos de idade. Atualmente, mora sozinho em uma casa simples e aconchegante em Guarulhos, cidade da grande São Paulo. De costume, acorda às cinco da manhã, liga a TV para um breve acompanhamento dos noticiários, enquanto veste seu jeans, camisa e sapa tênis para ir ao trabalho. Por sinal exerce com orgulho a profissão de Consultor de Viagens em uma empresa no centro da capital: “Queria ter sido jogador de futebol mas...”. Para ele sua função habitual de gerar passagens aéreas para seus clientes é algo muito satisfatório, além de ter como chefe três amigos pessoais, mas que sabem diferenciar o lado do profissional ao da amizade. Não é a toa que é  feliz profissionalmente hoje, depois de ter passado por algumas frustrações no intuito de vencer os saldos negativos de sua conta corrente. Há seis anos, coincidindo com seu lado boêmio em plena Praça da República regado a samba e cerveja, comemorava com mais quatro amigos a despedida de solteiro de um dos seus parceiros de mesa conhecido como “Kalunga”, com o qual conversavam intensamente diversos assuntos, entre eles política e empreendedorismo quando lhe surgiu a oportunidade de participar como sócio na abertura de uma transportadora de cargas aéreas. Iniciaram a sociedade formada por seis sócios no total, porém, pelo fato de ser ele solteiro e admirador da noite, tornou-se uma figura estereotipada perante as pessoas que o subjulgavam de não ter a preparação adequada de um micro empresário. Ao superar a avaliação memética em que passou na época, surpreendentemente se tornou um dos três sócios de maior credibilidade e confiança do grupo de negócios em quase dois anos de sociedade, portanto só vindo a decretar falência por infidelidade financeira de outros dois sócios participantes do grupo.         
Contudo, não se sentia desencorajado a enfrentar certos preconceitos estabelecidos pelo dia a dia com as pessoas. Quando tinha dezesseis anos, trabalhava em uma floricultura no centro de Guarulhos, e certo dia teve de realizar a entrega de um buque de flores em um banco ali mesmo próximo do local de trabalho. Chegando lá perguntou ao segurança do local quem seria a presenteada com lindas rosas vermelhas que logo apontou se direcionando a uma moça por sinal muito bonita, a qual estava sentada em uma mesa onde havia a informação de que seria a gerente do banco. Como a moça estava atendendo a um cliente, Cacau resolveu aguardar a uma pequena distância sem pestanejar. Em dois minutinhos ela o chamou com a seguinte frase “Pode vir aqui criolo”. Saiu dali, porém com um único pensamento “Deus, ajude as pessoas a pensar melhor e ter mais amor no coração”.
Cacau desde a infância costumava ir a igreja junto da família. Na adolescência frequentou grupo de jovens com os amigos sendo alguns deles íntimos até hoje. Começou a trabalhar cedo com seu pai, mas aproveitou bastante seu lado menino travesso. Na mesma rua em que morava havia um terreno baldio onde gostava de ir diariamente jogar bola com colegas do bairro. Em um desses dias, sua mãe pediu a ele que retornasse para casa, pois estava perto do horário de ir à escola e nem sequer tinha tomado banho, mas um de seus amigos resolveu brincar com ele dizendo “Vai lá neném da mamãe”. Cacau, sem pensar, pegou uma pedra no chão e atirou em direção a ele acertando o na nuca causando instantaneamente um visível sangramento no rosto do menino. Quando sua mãe soube, correu de encontro a ele com duas plantas que os antigos se referem a “espada de São Jorge” deixando o de cama por dois dias. Seu pai, indignado com a atitude alterada da mãe pediu a separação, perguntando ao filho se gostaria de ir embora com ele. Este rapidamente respondeu “Quero ficar com minha mãe”. Por fim o pai perdoou o acontecimento. Passado vinte e quatro anos, Cacau sorri com a lembrança do menino chorando com as mãos na cabeça: “Que bobagem...”. Por ironia, os dois cresceram juntos e se tornaram grandes amigos.
Tem orgulho da educação maternal que recebeu de Raquel Aparecida: “ela é minha guerreira”, reflete profundamente com olhar distante e lacrimejante ao lembrar-se da história de vida de sua mãe. Contada algumas vezes por ela mesma e confirmada por parentes que vivenciaram o caso, ela é filha de pais adotivos, apanhou muito quando criança pela mãe de criação, embora, em troca tenha recebido muito carinho por parte do pai. Foi adotada após sua mãe biológica dar a luz a duas meninas sendo Raquel a última a nascer, porém muito magra, ou seja, “raquítica”. A mãe alegou na época não ter condições financeiras de criar mais duas crianças, pois já tinha outros filhos, então decidiu doá-la até por achar que se tratava de uma criança doente e possivelmente morreria dentro de dias. Dentro de um mês, veio a falecer a outra recém-nascida, que todos achavam mais forte e saudável. Desde então, tornou se a Dona Raquel, mãe de quatro filhos e dois netos pequenos os quais durante o dia, ficam sobre seus cuidados.
Cacau ainda não teve filhos, acredita que tudo na vida tem um momento certo de acontecer, portanto prefere pacientemente esperar recompensando este tempo com os sobrinhos: “Estar com eles é gratificante”. Segundo ele, os dias do nascimento de Samira (4 anos) e Samuel (1 ano), se tornaram os dias mais felizes de sua vida, contrariando o que chamado por ele de: “ A semana mais triste da minha vida.”
Há pouco mais de quatorze anos atrás, na véspera de natal, estava trabalhando quando recebeu a ligação de sua mãe avisando que seu tio havia falecido devido a uma parada respiratória, pois vinha lutando contra um câncer há alguns meses. “Foi terrível, meu tio era meu parceiro”. Na mesma semana, faltando dois dias para o Réveillon de 2000, recebeu novamente durante o expediente, a trágica notícia de que seu amigo “Beto”, havia se afogado na represa de Nazaré Paulista, durante um passeio com amigos. “Em uma semana, perder meu tio, meu amigo com saúde e expectativas de se casar, é uma dor que não tem explicação, me acompanha até hoje...”.
Obviamente, Cacau se tornou uma pessoa forte em encarar os dramas da vida, já passou um pouco de tudo, inclusive superou também diversas dificuldades financeiras, tanto na infância com a família, como no desemprego em que às vezes os brasileiros são obrigados a enfrentar. Certo dia estava com sua dispensa totalmente vazia sem saber o que fazer com sua mãe e as três irmãs, pois na época somente uma delas trabalhava e seu pai havia se distanciado de todos por motivo de bebidas, então o pouco que entrava não era o suficiente para manter as despesas de casa com tantas contas a pagar. Foi ai que surgiu um dos motivos por ele achar que em meio a uma sociedade doente de crueldades e irracionalidade, existem seres humanos com poder de bondade, fazendo concretizar a rara e verdadeira amizade. Era noite quando viu um veículo estacionando no portão de sua casa. Ao sair viu dois amigos (Renato e Ricardo). Um deles se encarregou de abrir o porta malas do carro, assim, Cacau pode ver mesmo a uma determinada distância, que se tratava de uma farta compra de supermercado presenteando a inesquecível noite de gratidão sentida por ele até hoje. “Já fui muito ajudado pelas pessoas, por isso hoje não me vejo sem meus amigos e minha família”.
Este é o discernimento que possui da vida: “Ela é única, se eu pudesse abraçaria o mundo”. Por pensar assim em querer ajudar a todos, sofreu algumas consequências de pessoas mau caráter como um amigo identificado como Carioca. Este separou-se da mulher e desempregado, não tinha para onde ir. Sendo assim Cacau cedeu abrigo a ele em sua casa até que encontrasse emprego. Meses se passavam e ao invés do rapaz procurar trabalho, dormia durante todo o dia, acordando somente no horário das refeições. Cacau já se encontrava exausto daquela situação, mas complicou-se ainda mais quando suas irmãs e sua tia contaram a ele que estavam sendo assediadas moralmente pelo Carioca. Furioso, expulsou o finalmente de sua casa. Depois disto, soube ainda mais das injustiças do falso amigo, de que os assédios eram também com algumas namoradas de outros parceiros e amigos.
Mas, contudo em relação a todos, mágoas e rancor não mudam a sua maneira de ser. Sua válvula de escape ou a sua terapia é chegar o sábado, cair na noite e sambar um pouquinho.
No bairro é fácil localizá-lo: “O Ricardo, humm, ahh o Cacau? É logo ali!”. Resumidamente, é considerado pela grande maioria como divertido e bom camarada. O conforto para ele é conquistar carisma e empatia. Segundo ele, “Vou sempre fazer de tudo para que as pessoas tenha uma boa visão sobre mim.”.
Figura simples com coração de criança. Como seria o mundo se todos tivessem um pouquinho de Cacau nas atitudes, no dia a dia ou simplesmente no coração?